Friday, January 19, 2007

Consciência Quântica?



Entender a consciência humana tem se mostrado um desafio e tanto para os cientistas, e tão logo esse tipo de pesquisa é iniciado surge uma questão primordial e essencial: a consciência humana emerge de um complexo sistema de reações e cascatas biológicas ou é algo maior, algo ainda não descoberto, algo misterioso e subjetivo, “externo” a essa caixa que chamamos crânio, quase algo metafísico, que obedece a leis que ainda desconhecemos.

Essa dualidade de pensamento não é recente, no século XVII, a idéia de consciência como algo extra aos fios cegos do cérebro físico estava clara no dualismo do filósofo Rene Descartes e na visão Cristã da alma humana que Descartes estava procurando defender, enquanto a escola associacionista de filosofia britânica, inspirada por Thomas Hobbes e John Locke, tentava responder por toda vida mental em termos da acumulação de processos orgânicos menores; essas duas frentes têm sido denominadas de visão de campo e visão de processo respectivamente. No século XX a divisão continuou. Várias escolas de pensamento, como a psicologia de Gestalt e o movimento Nova Era, representaram a visão de campo, enquanto o behaviorismo, a ciência cognitiva e o a escola de filosofia Funcionalista têm sido os defensores mais óbvios da visão de processo.

Na ciência, muitas vezes, o progresso em determinada área do conhecimento leva a novos raciocínios e relações com outros campos, com a neurociência não foi diferente, o advento de teorias da complexidade (caos) e mecânica quântica tem trazido novas idéias ao intrincado desafio de explicar a consciência. E o auxílio que a física moderna tem prestado a neurociência denomina-se mecânica quântica da mente, que consiste em admitir que regiões do cérebro poderiam se iluminar e se tornar introspectivamente conscientes através de um fenômeno conhecido como coerência quântica.

Conexionismo Neural é a grande esperança teórica das ciências da mente. Se scanners de cérebro estão fornecendo a evidência experimental crua e a reaproximação entre psicologia e neurologia está criando o clima social necessário para pesquisa produtiva, então é esperado que o conexionismo neural, de alguma forma, seja a teoria em estilo de processo que finalmente explicará a consciência. Porém, antes de apanhar as linhas da história conexionista, vale abordar brevemente a recente moda por explicações da mente baseadas na quântica, se por nenhuma outra razão, para ver por que alguns cientistas poderiam sentir que aqueles scanners de cérebro se mostrarão quase irrelevantes para responder as perguntas realmente profundas sobre a consciência humana.

O filósofo da Washington University, David Chalmers, resume de forma excelente a atração da conexão quântica: "A consciência é um mistério, a mecânica quântica é um mistério. Quando você tem dois mistérios, bem, talvez haja apenas um. Talvez eles sejam a mesma coisa."

A sugestão de que o mundo estranho do quantum poderia conter uma resposta para a consciência é uma idéia com uma história longa. Pensamentos na possibilidade datam pelo menos tão cedo quanto um livro, Quantum Theory, escrito pelo físico David Bohm em 1951. Porém, em anos recentes a especulação se espalhou ao ponto onde se tornou quase uma crença popular. O que mais, perguntam vários pensadores, incluindo Roger Penrose -- o matemático de Oxford que ganhou fama com seu trabalho em mosaicos geométricos e buracos negros -- poderia explicar aspectos da mente como livre arbítrio, intuição, criatividade e a unidade subjetiva de experiência?


A física quântica pinta um quadro estranho do universo. De acordo com suas equações, matéria e energia têm duas faces, às vezes se comportando como partículas e às vezes como ondas. A face particular que elas mostram depende completamente do modo como são medidas. O resultado estranho desta dualidade fundamental é que matéria e energia são indeterminadas em muitas de suas qualidades, como velocidade, posição e giro, até que sejam fixadas pelo ato de medida. É como se elétrons e fótons estivessem borrados pelo espaço e tempo, explorando toda a gama de possíveis valores abertos a eles, até que alguém vem com uma sonda e os colapsa em um estado definido de ser.

Até mesmo mais paradoxalmente, quando dois objetos de quantum são o produto da mesma interação -- tal como o par de raios gama emitidos durante a aniquilação pósitron-elétron que é a base das medidas do escaneamento PET -- eles "ficam em contato" de forma que medir um determinará todas as qualidades do outro. Não importa quão distantes os dois quanta possam voar -- um par de raios de gama de uma experiência PET poderia ser deixado para se separar em direções opostas pela galáxia por milhões de anos -- de alguma maneira medir um fixaria imediatamente o outro. Esta interação não-local, ou coerência quântica, parece violar a teoria da relatividade de Einstein e sua proibição de qualquer evento acontecer mais rápido que a velocidade da luz. É como se a partícula gêmea "soubesse" imediatamente sobre a medida, ou como se o ato futuro de medida tivesse sido predito de alguma maneira no momento em que os raios separaram.

Enquanto tais estranhezas tornam a física quântica difícil de aceitar, matematicamente é uma visão do Universo que funciona excepcionalmente bem. Usando uma ferramenta estatística conhecida como uma função de onda, é possível descrever o estado espalhado de um elétron ou raio gama com precisão total. A função de onda fornece um mapa de probabilidades, assim enquanto nós não podemos dizer exata
mente onde um quantum não-medido está em qualquer momento particular, podemos dizer quão provável seria achá-lo lá e também quão rápido estaria movendo e que tipo de giro seria provável que tivesse. Uma das características importantes de tais equações de função de onda é que elas podem ser usadas não só para descrever o envoltório de possibilidades contendo uma partícula individual, mas também para descrever sistemas inteiros, como átomos, moléculas, e alguns físicos diriam, até mesmo o cérebro ou o próprio Universo inteiro.

Há muitos modos de interpretar os enigmas da física quântica. Em uma visão, as dificuldades se originam de tentar preservar a idéia da partícula quando em realidade a única coisa que existe ao nível subatômico de efeitos quânticos são ondulações no tecido do espaço-tempo. Às vezes estas ondulações parecem se comportar como partículas -- suas cristas se cruzam, criando o que parecem movimentos e colisões. Mas a energia e massa de tal onda permanecem incertas. Isto é o que torna impossível medir a posição e velocidade de uma "partícula" com qualquer exatidão.

O problema da medida é algo como pedir para um observador vendado descobrir o paradeiro de uma ondulação em uma tigela de água. O observador pode colocar um dedo na água e esperar até a ondulação acabar atingindo-o -- isto dá um local exato para a onda, mas a cronometragem do evento se torna imprevisível -- ou ele pode decidir que quer saber imediatamente, sem esperar, se uma ondulação está acontecendo, e assim ele coloca sua palma inteira sobre a superfície da água. Neste caso, um tempo preciso pode ser atribuído ao evento, mas seu local fica imprevisível. A escolha da sondagem determina qual aspecto da ondulação pode ser medido com precisão.

Porém, outros interpretaram as estranhezas da física quântica de forma muito diferente e acreditam que não são nossas tentativas de preservar a ficção de partículas subatômicas que estão erradas
, mas ao invés o problema do observador tem alguma ligação profunda, misteriosa com a consciência humana. A física quântica parece dizer que toda partícula existe como um monte de possibilidades superopostas -- um borrão não resolvido de energias seguindo todo caminho possível -- até que haja um ato de medida para "colapsar a função de onda". Alguns físicos acreditam que uma interação de uma partícula com outra -- como uma colisão ou um evento de aniquilação -- é suficiente para contar como uma observação (com, é claro, cada colapso abrindo um rastro fresco de possibilidades quânticas, descritas por uma função de onda completamente nova). Mas vários físicos acreditam que partículas só se tornam "reais" como o resultado de uma observação humana. É apenas quando um observador humano sabe -- se tornou consciente -- do resultado de uma experiência quântica que uma função de onda de fato colapsa.

Levando este argumento ao extremo, o Universo parece requerer testemunhas humanas até mesmo para existir. Antes da mente humana surgir, presume-se que o Universo deve ter vagado em uma espuma não resolvida de possibilidades. Mas agora -- felizmente - a evolução da vida humana sensciente o colapsou em forma!

A cultura especulativa, libertária, encorajada nos meios da física fundamental significa que, como a Rainha em Alice Através do Espelho, muitos físicos parecem se encantar em acreditar em sete coisas impossíveis antes do café da manhã. Mas até mesmo aqueles que acham demais pensar que o universo poderia se dobrar pelo fato da existênc
ia humana ainda sentem que os paradoxos da teoria quântica são sugestivos de algo sobre nossa consciência. Justamente como um sistema quântico, a mente humana criativa parece provar muitos caminhos e resultados, correndo à frente de si mesmo com palpites e intuições antes de colapsar sua "função de onda" para formar o estado resolvido que é nosso fluxo lógico, focalizado de pensamento. Parece plausível que a consciência humana poderia ser o resultado do cérebro descobrir, durante o curso da evolução, como lidar com efeitos quânticos sutis. Enquanto o cérebro de um animal mais simples pode ser verdadeiramente um autômato, não mais que um computador biológico cego, com nós mesmos -- e talvez alguns dos animais mais desenvolvidos -- foram encontrados caminhos para formar um campo de coerência quântica envolvendo todo o cérebro, globalmente consciente.

A atração da analogia quântica é óbvia. Todos nós temos um tremendo desejo de entender aquele mais pessoal dos mistérios da vida: como nós nos encontramos como um brilho pequeno de compreensão, sentindo a consciência trancada dentro de uma construção mortal de carne, cabelo e osso. Mas quando olhamos aos últimos séculos de ciência e filosofia, não obtemos muitas respostas. Pior ainda, as teorias oficiais, até onde vão, são desespiritualmente mecanicistas, tratando os humanos como pacotes de reflexos
ou máquinas calculadoras vazias. Elas não nos contam o que realmente queremos saber: como nós ajustamos um panorama contínuo de sensações, sentimentos e idéias dentro de nossas cabeças? O que nos dá o senso de um ego que tem sentimentos, planos e desejos?

Não apenas a física quântica parece oferecer uma pronta resposta para o modo como os circuitos sombrios de mecanismo de relógio do cérebro poderiam se iluminar de repente com os fogos da consciência, ela também parece automaticamente responder por algumas das qualidades especiais que nós associamos com o ser humano, como criatividade, imprevisibilidade e liberdade de ação.

O fim dos anos 80 assistiu a uma explosão de escritores defendendo a idéia da consciência quântica. Em Margins of Reality, publicado em 1987, o físico e parapsicologista da Universidade de Princeton, Robert Jahn, afirmou que a física quântica podia não só explicar a mente, mas poderes psíquicos também. Em 1989, o filósofo de Oxford, Michael Lockwood, escreveu um tomo denso e influente, Mind, Brain and the Quantum. No ano seguinte, a escritora religiosa inglesa, Danah Zohar, foi da onda promissora de teorias de consciência quântica ao reino do best-seller com seu livro, The Quantum Self, baseado em teorias avançadas pelo seu marido psiquiatra, Ninian Marshall. Porém a publicação que realmente criou interesse amplo na idéia de consciência quântica foi o livro de Roger Penrose, The Emperor's New Mind, que apareceu em 1989.

A incompatibilidade óbvia em escala -- uma diferença de pelo menos uma dúzia de ordens de magnitude -- é o que levou a maioria dos cientistas ortodoxos a descartar a especulação quântica. Não há nenhuma dúvida de que as células do cérebro são feitas de átomos e que átomos, por sua vez, são governados em uma escala menor pelas equações da física quântica. Entretanto pareceria que as flutuações de nível quântico não poderiam afetar a atividade metabólica total de um neurônio mais que nosso pular no chão poderia inclinar a Terra de sua órbita. Contudo, na época em que a conferência sobre a consciência de Tucson teve lugar em 1994, o campo quântico tinha tido tempo para dar muito pensamento à possível natureza do mecanismo que faltava. Alguns até sentiam que tinham a resposta e que a estrutura da célula responsável por ampliar os efeitos quânticos era uma molécula de proteína em forma de tubo vazio conhecida como microtúbulo.

Microtúbulos são moléculas cilíndricas feitas
colando 13 cadeias de proteínas juntas, as tubulinas, para fazer um tubo de 25 nanômetros de comprimento, com um canal central de aproximadamente 15 nanômetros de diâmetro. Cada microtúbulo está coberto por uma penugem de tocos de proteína, conhecido como MAPs (microtúbulo associated proteins, proteínas associadas a microtúbulos), e estas podem ser usadas para enganchar agrupamentos de microtúbulos juntos em redes maiores. Microtúbulos e MAPs parecem ser capazes de uma certa quantidade de movimento, significando que podem ser tecidos em estruturas plásticas, capazes de ceder e dobrar.

As propriedades estruturais de montagens de microtúbulos fazem deles um valioso material de construção dentro das células. Por exemplo, um grupo de 20 microtúbulos forma o cílio parecido com cabelo que pulsa, que cobre a superfície de muitos animais unicelulares pequenos permitindo-lhes nadar. Porém o uso principal para microtúbulos parece ser fazer um esqueleto interno para células -- um andaime intrincado que dá para uma célula sua forma, mas também pode se deformar e dobrar o bastante para permitir que se mova.

A existência do citoesqueleto do microtúbulo só foi descoberta relativamente recentemente nos anos 70 -- previamente as substâncias químicas fixadoras usadas em microscopia eletrônica tinham o efeito infeliz de dissolver os túbulos -- assim os biólogos ainda têm muito a aprender sobre o que o citoesqueleto fa
z e como opera. Contudo os biólogos acreditam que ele não só mantém a célula em sua forma, mas também que desempenha um papel importante no metabolismo celular, agindo como um sistema de encanamento ou uma rodovia interna para mover plasma e outros produtos essenciais dentro da célula. Alguns sugeriram que os microtúbulos poderiam fazer isto usando os seus fios de MAP para arrastar o protoplasma celular, mão a mão, em uma brigada de miniatura ao longo dos lados de um túbulo.

Também há evidência de que o citoesqueleto poderia servir como um cérebro primitivo. Há muito os biólogos têm se intrigado em como um animal unicelular simples, como o paramécio em forma de chinelo, pode se comportar tão inteligentemente quando não tem nenhum sistema nervoso. Um paramécio é surpreendentemente ágil enquanto nada ao redor nos detritos ao fundo do lago, torcendo-se para dentro e fora de espaços apertados à procura de seu jantar. De alguma maneira o protozoário consegue responder rapidamente à informação que entra de um ponto sensível à luz e seus cílios sensíveis a toque para coordenar sua ação natatória. Vários biólogos especularam que o citoesqueleto poderia servir como a comunicação e ligação de processamento de informação necessária para organizar tal comportamento relativamente complexo.

Esta sugestão particular de que o citoesqueleto poderia ser um "cérebro dentro do cérebro" excitou os teoristas quânticos. Ao procurar por uma estrutura da célula satisfatória para operar como um elo, conectando o reino subatômico com o mundo macroscópico de células cerebrais fulgurando, alguns teoristas têm considerado que as membranas nas junções sinápticas entre as células nervosas poderiam ser o local de interações quânticas. Outros tinham imaginado se os canais de íon abaixo dos flancos de neurônios poderiam ser regidos por efeitos quânticos. Mas, rapidamente, os microtúbulos começaram a parecer uma aposta muito melhor. Enquanto os microtúbulos não são exclusividade dos neurônios, eles são encontrados neles em particular abundância (um fato que não pega de surpresa os neurologistas dado que as células nervosas estão tão metabolicamente ativas, e microtúbulos parecem essenciais à atividade metabólica). Além disso, acredita-se que a velocidade à qual os microtúbulos podem trocar de estado entre relaxamento e contração esteja na ordem de um nanosegundo. Isto pode ser lento pelas escalas de tempo habituais de eventos quânticos, mas é aproximadamente um milhão de vezes mais rápido que os eventos de ativação de células normalmente considerados como estando por trás da consciência, e assim pelo menos parece atingir a biologia do sistema a pouca distância de uma explicação quântica.




Artigo baseado em "Going Inside - A tour around a single moment of consciousness, de John McCrone, publicado em março de 1999 por Faber & Faber em Londres (ISBN 0 571 17319 5).